Da união dos monárquicos
Antes de continuar devo ressalvar que, neste assunto, não represento aqui nenhuma "escola de pensamento". O facto de me associar a uma, não significa que o que escrevo possa a ela ser imputado, sem mais. É certo que muitos erros e incorrecções são encontrados neste blog, sem que isso tenha que prejudicar o tradicionalismo monárquico e católico em si. Mais do que tudo, este é um espaço de reflexão, ainda que por vezes provocador e radical na linguagem. Tento assim incitar à boa polémica, ao debate de ideias e ao esclarecimento de posições. Infelizmente, ainda que reconheça não estar à altura de determinadas contendas, não vou encontrando a seriedade que esperava, como recentemente forcei a que se verificasse.
Mas vamos ao que penso sobre a tal união entre os que se dizem monárquicos. E devo começar por admitir que, de um ponto de vista meramente prático, seria bastante salutar que essa união se desse definitivamente. Num primeiro plano, perspectivar-se-ia uma crescente acção e visibilidade da chamada “questão do regime” na agenda mediática. Sobretudo, era importante que o favorável tempo que percorremos, com o centenário republicano à porta, fosse aproveitado para essa finalidade. Por outro lado, há uma questão absolutamente incontornável e que minaria qualquer possibilidade de entendimento futuro – já que actualmente não existe de todo. Falo, obviamente, das razões que nos levam a querer a queda da república.
É neste segundo plano que reside todo o problema. Existe um entrave que me parece inultrapassável e que dificulta o entendimento que, repito, seria precioso para aquilo que considero ser imprescindível para que se encontrem resultados: acção directa, que nos fizesse mais participantes do espaço destinado à “opinião pública”. Esse problema, que é de fundo, é pois o de não termos as mesmas razões, muito menos os mesmos objectivos, quando nos declaramos monárquicos. Porque sejamos sinceros: alguém que sustente a ideia de uma monarquia parlamentarista e não confessional muito dificilmente encontra semelhanças com um monárquico integralista, a não ser numa certa estética. Ou seja, um demo-liberal vê a monarquia como melhor forma de funcionamento da democracia liberal, enquanto um integralista assenta o seu discurso na persecução de um outro regime, baseado numa outra lógica civilizacional e filosófica. Resumindo, uns querem o rei como árbitro do poder popular, sustentando que este emana do povo segundo o culto da heterodoxia (sendo o número factor de decisão sobre a opinião dominante), e outros rejeitam completamente essa visão moderna, para apontar a monarquia precisamente como a melhor garantia do seu inverso.
Não basta portanto que ambos os lados digam que pretendem uma monarquia constitucional. Mais, que aleguem que isso é já por si um factor determinante para que haja um elo suficientemente forte e não se dê a divisão. Dizer que o povo detém o poder é substancialmente diferente de acreditar que este procede única e exclusivamente de Deus, que a Sua Igreja é a Católica, por Ele fundada, e que essa espada espiritual eclesial deve em tudo legitimar e auxiliar a espada terrena portuguesa para que a comunidade encontre o bem comum mergulhando no Bem do Outro. Esta segunda perspectiva não aceita que a constituição seja colocada à mercê daquela heterodoxia militante, sob pena de poder ser alterada conforme a vontade das massas. Pelo contrário, quer salvaguardar a sua fonte fazendo-a estabelecer-se segundo um critério ortodoxo, dogmático, que só a Igreja deposita em si com especial mandato de Cristo.
Creio ser esta a grande questão e o motivo de tão grande divisão entre nós. E não vejo de que forma se pode conciliar quem pense vir o poder de baixo com quem não duvide vir o poder de cima; quem pense que a legitimidade de determinada posição prevalecer como boa se encontrada num simples consenso popular que não esteja limitado pelo critério superior, com quem afirme, com Fé inabalável, que a legitimidade do que é bom não subsiste na força bruta da maioria mas nesse outro critério que é a insubstituível génese cristã da nossa Pátria.
Ainda assim, existe um argumento que, embora me pareça desprovido de grande razão, poderia levar a que integralistas e demais pessoas com posições próximas se colocassem lado a lado com democratas: o mal menor. Sabendo que é de longe impensável que determinadas ideias vinguem a curto e médio prazo (somos muito realistas nesse aspecto), optassem por apoiar uma solução que mais se acerca da restituição da legitimidade dinástica e da independência supra-partidária da Casa Real. No entanto, não teria isso que significar que toda a anterior questão se submetesse a um pragmatismo que poderia resultar num vazio? Não desdenharíamos o dever em prol da conveniência momentânea? Até que ponto a situação é grave para que abramos mão de tudo e nos posicionemos pela coroação da democracia? Até que ponto a democracia real vale a pena, em detrimento da monarquia? Que "doutrina" seria a nossa? Que "vitória" teríamos? O que é afinal o "essencial"? O que é a monarquia?...
Eis o que queria deixar em aberto e eis porque penso que uma união só é viável no caso de Portugal não mais conseguir a paz sem os Bragança. Dirijo-o especialmente ao Nuno e ao Corcunda, esperando que o aceitem e desenvolvam.
A propósito, leiam o último post no Pasquim da Reacção, que espelha bem porque levanto estas preocupações.