Dos condestáveis urbanos

O Rui A. escreveu muito mas disse pouco. Sobretudo, do pouco que disse, disse o que não devia ou o que só se deve aos que aponta e critica por "saloios" e "provincianos".

Não sei até que ponto o Rui A. conhece a nova escola monárquica, mas dos fundamentos que tem por base talvez nada saiba ou ande equivocado. E é curioso que aqueles que julga por grandes causadores do descrédito da defesa monárquica alinhem, quase sem excepções, pela restauração botox a que dedica o seu texto: porque o rei dava mais brilho, mantinha certas tradições e garantia uma imagem de senhores brasonados e pateticamente aristocratas. Esses monárquicos são, normalmente, acomodados do regime vigente, tirando dele enorme proveito pessoal. Por obediências familiares ou soberbas várias, acham que enfeitar o bolo com a cereja real transformaria tudo em algo mais belo e saboroso, num toque de mágica.

Contudo, os menos campestres são hoje precisamente os que não enveredam por semelhantes disparates. Quem são eles?! São tradicionalistas, urbanos, radicais, sem bigodes de pontas a bater na testa ou ar angelical de quem engoliu um garfo, andando por aí sem que ninguém os reconheça por qualquer característica física ou maneirismos beatões. São integralistas, anti-parlamentares, corporativistas, anti-liberais, católicos fiéis e amantes de Sagres à Sexta-feira à noite. Não têm medo de Salazar, muito menos do rótulo de nazi-fascistas com que alombam diariamente, e desdenham com ironia qualquer pinderiquice em torno da ideia de uma vida socialmente chic na companhia do Rei. Como não são homens de posses, pensam em cartazes mas ficam-se pelas ideias. Têm mil e uma intenções de encher as paredes de Lisboa com apelos à consciência comunitária; mil e uma palavras para escrever e publicar; mil e um debates para realizar. Mas não têm como! E - espante-se o Rui A. - têm um bocadinho de receio... Receio de um futuro que de certo só tem o dogma do medo do passado.

É esta uma realidade que o Rui A., pelos vistos, desconhece. O facto é que, não sendo muitos e não estando organizados, acabam por encher duas mãos. O facto é que, afastados do monarquismo de crendice, não se entregam a liberalismos ou repúblicas coroadas. São monárquicos porque querem ser portugueses e na nação reconhecem, antes de mais, uma entidade moral, um critério a ser observado e uma liberdade a ser vivida na verdade que carrega. Leram Sardinha, Almeida Braga, Hipólito Raposo e tantos outros que, preocupados com o presente e com o que ele de mal nos reserva, decidiram encaminhar passos no sentido oposto, trajando o que em qualquer meio citadino da nova Europa se veste e não recorrendo muito ao botão de punho.

É esta pois uma realidade que assenta num certo espírito de 1640, restaurador de valores, virtudes e velhas obediências. Sem tiques tribalistas, têm de contentar-se com o anonimato e a marginalização que a betaria do Jantar dos Conjurados aplaude, como se se livrassem de uma espinha cravada na garganta. Olham para a monarquia que aqueles apregoam - a mesma que o Rui A. diz ser a única solução - e só vêem rendições de armas para bem aparecer na fotografia. Querem todos ficar enquadrados, o menos desfocados possível e com um sorriso falso que em nada corresponde à alegria da doutrina dos nossos maiores. Pretendem lavar a cara à república e por pouco a venderiam a inimigos castelhanos, quando o país precisa de um banho de mangueira. E isso implica que a constituição da monarquia não fique refém das decisões de um hemiciclo, mas apenas enformada pelas certezas inalteráveis da Fé. Requer que estejamos no tempo sem dele ser.
publicado por Afonso Miguel às 20:08 | link do post | comentar