O mito da grande inversão socialista e o protestantismo


A ilusão que leva boa parte dos católicos a alinhar por ideologias descendentes do marxismo é a crença desmesurada no mito da grande inversão socialista como premissa da Doutrina Social da Igreja. Pergunte-se a qualquer fiel letrado se a Verdade é "graça divina" e tem "patente registada", e a resposta será, quase invariavelmente, que cada um tem a sua e a dá a quem quiser e que isso será, em si, o dogmático e inviolável valor da sacrossanta democracia.


 


Esta crença na (i)lógica marxista da privatização da metafísica e colectivização estatal das relações económicas, é autodestrutiva e ingénua. O Cristianismo, desde uma ponta à outra da hierarquia eclesial, vive hoje afogado em preconceitos distantes dos seus: confunde paciência com tolerância; amor com mariquice; caridade com socialismo. Não seria de esperar que, nestas condições, conseguisse ainda distinguir valorativamente a moral divina das demais concepções de Bem e Mal, muito menos que os fundamentos de uma certa dialéctica social-democrata sejam antagónicos entre si e tudo o resto.


 


Mas o problema está principalmente na ingenuidade. É ela que promove a auto-destruição. É ela que não esclarece sobre a mentira daquela inversão entre o privado e o público. Se antes, na "idade das trevas", se apoiava a constituição comunitária iluminada pelo dever do único critério de Bem (Cristo), hoje esse Bem é uma carta de princípios elaborada pelo homem, que quer garantir direitos universais provenientes da vontade antropocentrista. E é aqui que se constata a contradição e a formulação do mito. Para quem julga que a liberdade de pensamento é a grande vitória da modernidade, como se os reis medievais tivessem aparelhos que nos lessem a mentem, basta tentar contestar publicamente a Declaração daqueles direitos e esperar pelas consequências discriminatórias.


 


Portanto, o facto é simples: os Estados apoderaram-se do elemento religioso da comunidade para o transformar no valor intocável da tolerância - pescadinha de rabo na boca à boa moda humanista hodierna. Foi nesta mesmíssima medida que Henrique VIII abraçou o poder de proclamar a dogmática, para servir os seus caprichos transformados em direitos através de uma capacidade decisória que inventou.


 


Se não me fiz entender, vão ler o Corcunda.

publicado por Afonso Miguel às 21:42 | link do post | comentar