Não sei sequer se a Direita - entendida com o campo das ideias daqueles que defendem um conjunto de princípios jusnaturalistas contrários à deriva ideológica da modernidade - existe ainda. Pode ter lugar no coração de muitos, mas não se passeia nos corredores do poder político. A Esquerda - o anticristo ateísta disfarçado de grande libertador tolerante - tomou de assalto os mecanismos do exercício desse poder político e não se resignou à queda das experiências genocídas do passado. Criou outra, acolhendo o neo-liberalismo económico (fazendo-o depender do Estado) e mantendo uma ditadura do pensamento, galopante e dogmática, adversa a qualquer expressão de Cristianismo e de outras coisas que cheirem a baú e a virtude. A não ser que, claro está, nos enredemos na teia-de-aranha marxista até não mais nos conseguirmos escapar.
A promulgação do "casamento homossexual" (já aqui tinha justificado que até me borrifava para a concepção civil de casamento, mas o caso não deixa de ser grave) é paradigmática desta situação. Cavaco Silva, tido como homem de Direita, quiçá "conservador", apresenta-se a fazer beicinho, mas lá aprova a coisa para não "alimentar a discórdia pública" (sic). E digam lá que isto não faz lembrar os tempos idos da discussão sobre o aborto, quando a tal Direita cavaquista e pórtista (afecta ao Paulinho das feiras) bradava aos céus que o tema não devia ser trazido à baila porque, e cito de cor, "o momento não o justificava" e "há coisas mais importantes em que pensar". E agora aí temos mais uma vez do mesmo, mas de pernas para o ar: para não dizerem que empecilhava o momento com coisas que podem prejudicar o debate sobre o que "realmente importa", o Cavaco deixou passar a caravana - que os cães estão presos vai para anos.
O problema é que não há nada de mais importante nem urgente do que fazer a defesa da vida humana ou, como hoje, da família natural. Seja em que altura for, caia o Carmo e a Trindade, mais as Torres Gémeas e o Euro. Caia o que cair. Mas a Direita, ou aqueles que se julgam senhores de uma herança politico-filosófica que desconhecem por completo, vai argumentando que não dá jeito e que o governo quer criar manobras de diversão com determinados temas, porque não sabem patavina do que hão-de contrapor ao progressismo dos direitos que lhes coloca o comer no prato. Um pouco como um desempregado que entra na Segurança Social a reclamar com tudo e todos, mas que fecha a boca quando lhe dão o cheque para a mão.
Esta Direita subsidio-dependente dos postulados da Esquerda não serve. O neo-conservadorismo, pouco distinto do neo-liberalismo e de todos os "neo's" hodiernos, é a mais séria ameaça ao pensamento tradicional. Bento XVI disse no avião que o trouxe a Portugal que, actualmente, a pior perseguição à Igreja vem de dentro, dos que se dizem católicos sem viverem em Cristo. Pois bem, nada mais adequado à Tradição, que tem os inimigos mais perigosos nestes pobres reféns do iluminismo. Relativizados no lugar que lhes coube na democracia jacobina, rebaixam o que de mais sagrado existe ao mesmo patamar de tudo o resto, diluindo a Direita numa Esquerda moderada.