The state of the art

Os meus amigos querem ver e ouvir o estado da arte da imbecilidade elevada a bom senso e estatuto social de toda uma classe? Ganhem coragem e assistam a um qualquer telejornal português – transportam a noção de jornalismo de segunda linha para a estratosfera de uma impossibilidade absoluta de definição do mesmo, que não seja como caixa-de-ressonância das agências pagas por interesses estranhos à liberdade de imprensa. Nesses pasquins televisivos de hora e meia de pastelanço sobre os mais variados temas do “interesse do público”, há sempre espaço para a propaganda que chega em encomendas prioritárias com o fast-food do dia: o happy meal está pronto a ser servido, devidamente empacotado. Ninguém lhe sabe a receita nem há quem a queria saber. A redacção tem um gatekeeping guloso que engole tudo sem mastigar e regurgita o resultado em horário nobre.

 

Não é pois de estranhar que a abdicação do presidente hereditário das espanhas tenha dado lugar ao intento de fazer crer que por lá todos são republicanos e saíram à rua para pedir um referendo ao regime. A coisa chegou ao ponto de darem tempo de antena a uma “piquena” que, do pináculo daquela sabedoria académica que dá a universidade como uma invenção da Esquerda, afirmava a pés juntos que a república sai mais barata que a monarquia. Outra, já com idade para o juízo que o tempo lhe devia impor, dogmatizava uma posição moral de rejeição dos escândalos mediáticos da casa real. O mesmo deve ter passado em França, onde Hollande, assistindo, soltou certamente a gargalhada mais sonora que um pigmeu de estatura de alma e de matéria consegue vociferar à mesa das despesas dez vezes superiores que a presidência gaulesa impõe ao povo das três virtudes revolucionárias, enquanto a amante o instava a desligar a televisão porque o chef do Palácio do Eliseu reclamava que o jantar estava pronto.

 

Dois estados da arte, portanto: um de classe, transmitindo um outro de preconceito de classe. A solução é desligar o aparelho que substituiu as lareiras das melhores casas de família, voltar a pôr lenha no devido lugar, queimar o dito aparelho e juntar a criançada à volta de um pai contador de estórias de encantar. Ficção por ficção, escolhamos a da ancestral fábula. Do que se passa no mundo de fantasia que está para lá das quatro paredes que aconchegam o Sangue, contemplemos apenas aquilo que podermos um dia reconstruir com as pedras angulares dos nossos redutos – verdadeiros estados da arte de uma civilização latente.

publicado por Afonso Miguel às 01:54 | link do post | comentar