Ir a um festival de verão e não saber













Faz menos de uma semana que, ao entrar em Fátima, tive aquela sensação única de estar a imergir num dos raros ambientes minimamente saudáveis que ainda se respiram em Portugal. Digo saudáveis no sentido de podermos andar de Terço na mão em plena rua, ou mesmo com uma t-shirt a dizer "Viva Cristo", que ninguém nos chateia a cabeça nem deita olhares de gozo e reprovação por causa disso. Como também ninguém estranha se estivermos numa mesa de café a falar de "assuntos de Igreja" enquanto bebemos umas loiras, ou se rezarmos nos restaurantes antes das refeições. Pena só que, quanto ao resto, Fátima já tenha vivido melhores dias.


 


Há muito tempo que não punha os pés no Santuário. Como sempre, a primeira coisa que fiz foi dirigir-me à Capelinha para "cumprimentar" Nossa Senhora, rezar um pouco, meditar no que Ela ali disse. Mas fiz mal. Quando cheguei, deparei-me com um senhor a bater palmas junto ao altar, enquanto um grupo de jovens cantava qualquer coisa semelhante ao "parabéns a você" ao som de violas. Só depois percebi que era o Sanctus e que devia estar metido numa moderna Celebração Eucarística, embora tenha ficado com dúvidas. Pelo sim pelo não, orei em acto de reparação e pus-me a milhas...


 


De noite, já meio esquecido do sucedido à tarde, fui à recitação do Terço, também na Capelinha. Meditaram os, igualmente modernos, mistérios luminosos. Para disfarçar, disseram umas coisas em latim, para logo em seguida as repetirem em mil e uma línguas, tantas quantas as peregrinações anunciadas vindas de todo o mundo. E cada um respondeu depois na sua, uns em português, outros em brasileiro, e ainda outros em francês, inglês, polaco (sempre o polaco!) e até em árabe... Russos, esses é que nem vê-los. Aliás, não me recordo de alguma vez ter visto russos em Fátima, pelo que Nossa Senhora deve andar a perguntar-se o que raio falhou na mensagem que deixou aos pastorinhos. Mas adiante. A saga do Terço continuou, agora com toda a gente feliz e contente por ter podido gritar qualquer coisa em vernáculo enquanto se agitam umas bandeiras e uns cartazes. E não é que, já lá mais para o fim, um padre Iraquiano foi mesmo dizer dez vernaculíssimos "assalamalecuns" à filha de Maomé, isto é, à Senhora Nossa Mãe! Achei fantástico, e mais fantástico achei que no término tivessem exposto o Santíssimo Sacramento e só vinte ou trinta pessoas se tenham dignado a flectir o joelho perante a presença substancialmente real de Jesus Cristo. Repetidas as dúvidas da tarde, orei novamente em reparação e fui dormir…


 


Deixei passar a noite e, no dia seguinte, dirigi-me ao outro lado do recinto. Queria ir visitar  pela primeira vez o famoso e recente centro multiusos da Santíssima Trindade, carinhosamente apelidado de ETAR, bunker, nave espacial, lixeira e etc., para confirmar com estes olhos que a terra há-de comer por que raio ninguém gosta daquilo e corre em Fátima o inominável boato que insinua tratar-se de um pecaminoso capricho do antigo reitor. Pois deixem-me dizer-vos que, depois de ter inspeccionado bem o local, adorei tudo, especialmente aquelas redes que enfeitam a entrada principal, transformadas em ponto de crendice e superstição de quem lhes atira moedas a ver se realiza desejos. Devo aliás advertir o Santuário que já lá deve estar para cima de um milhar de euros, pelo que não sei se os habituais carteiristas não estarão à espera que o pote rebente... Dentro de portas então, fiquei maravilhado! Que espaço amplo, que perfeita visão do palco, que funcionalidade, que arte tão agradavelmente abstracta!!! Imaginei logo belos congressos - talvez quem sabe ao velho estilo soviético - grandiosas conferências, concertos, enquanto os visitantes tiravam fotografias em grupo, com poses e línguas de fora e tudo o mais de fora... Só achei estranho haver uma cruz vermelha no chão a cada quinze passos que dava, mas deve ser uma daquelas manias de artista consagrado. De resto, até o facto das casas de banho estarem a dois metros das "entradas laterais" é sublime!


 


Vinha eu pois espantado com tanta perícia arquitectónica, tanta visão, tanto alcance, quando esbarro com um velho amigo que tinha acabado de chegar e se dirigia à Capelinha, trajando calções de banho e chinelos de praia. Entre abraços e vivas, perguntou-me logo se tinha ido ver a igreja nova mas, como não tinha vislumbrado igreja nenhuma naquela zona, fiquei a perceber que ainda havia algo a ser visitado mas que tinha de ficar para a próxima. Já o meu amigo é que tem sorte: naquela altura não havia ninguém a comemorar aniversários e, sobretudo, ele conhece uma igreja que, aparentemente, ninguém me sabe dizer onde está (e até pode ser que se desfaça o tal boato, caso a encontrem)...


 


Dito isto, continuei com dúvidas e com dúvidas vim. Afinal estive em Fátima ou em Paredes de Coura?...

publicado por Afonso Miguel às 14:57 | link do post | comentar