Tenho protelado escrever acerca da verborreia do Cardeal Kasper sobre a comunhão sacramental de pessoas "divorciadas" e em "segundas uniões", tal o nojo e a incredulidade que me causou. Nojo, porque como jovem marido e futuro pai vejo a Igreja a auto demolir-se numa última e definitiva machadada à Família e ao dogma católico. Incredulidade, porque estas coisas não podem deixar de nos espantar. No dia em que isso acontecer, estaremos mortos para a Fé.
O que o purpurado - de "teologia profunda e pensamento sereno", Francisco dixit - quer, se bem entendi, é que alguém que rompa com o casamento e passe a coabitar com outra pessoa possa ser admitido em confissão, obter o perdão dos pecados e comungar. Isto levanta imediatamente uma questão: afinal, qual é o pecado do divorciado? Apenas o "falhanço do amor" - Francisco novamente ipsis verbis - ou a vida em comum que se seguiu, muitas vezes com filhos ilegítimos? Kasper aponta precisamente esta realidade, a de existir prole da segunda relação, como justificação para um mal menor. Ou seja, será sempre preferível continuar essa relação em ordem à educação dos filhos e à manutenção de um ambiente familiar para os mesmos, o que deveria permitir, consoante o caso, uma espécie de indulgência quanto à possibilidade de comungar sacramentalmente.
Há aqui um grande equívoco que é preciso esclarecer, uma profunda confusão entre pecado, pena e estado de graça.
Para isso, consideremos, em comparação, um pequeno delito, sem grande gravidade. Imaginemos um pobre mendigo esfomeado que, precisamente por ter fome, rouba qualquer coisa na mercearia para comer. É visto, levado à autoridade, presente a tribunal e sujeito a uma pena. Atenuantes a essa pena? Duas possíveis: o arrependimento sincero, sempre difícil de avaliar, e as próprias circunstancias que o levaram a cometer o crime. O roubo deixa, contudo, de ser crime? Claro que não.
Tomando outro exemplo, estão a lembrar-se, certamente, do caso do aborto, em que mulheres que o tivessem praticado na sequência de uma violação beneficiavam de uma despenalização. E estão também cientes de que esta porta aberta da despenalização levou, mais tarde, à liberalização e à consagração do aborto como um direito inalienável, constante dos programas nacionais e internacionais de "saúde reprodutiva"...
O que quero dizer é que o mendigo não deixa de cometer um crime por ter fome; uma mulher não deixa de cometer um crime por ter sido violada; do mesmo modo uma pessoa não deixa de pecar gravemente por ter filhos de uma segunda relação extra-matrimonial. Neste último caso, que é o que aqui nos interessa, poderá mesmo assim haver uma atenuante da pena, como no roubo e na violação, levando a que se possa comungar sacramentalmente?
A resposta até parece favorável, mas é precisamente aqui que entra aquela confusão entre pecado, pena e estado de graça.
Ainda que possamos falar de uma atenuante de pena em sede de confissão, essa atenuante nunca poderia recair sobre a comunhão porque a proibição da comunhão sacramental não é uma pena, mas sim uma consequência da ausência de estado de graça. E se o pecado que nos retira desse estado de graça necessário à comunhão for continuado, sem intenção de não voltar a pecar, como pode sequer ser objecto de absolvição? Ou a absolvição não requer o arrependimento e a intenção de não voltar a pecar? Acaso o mendigo pode continuar a roubar enquanto tiver fome e a mulher a abortar sempre que se verificarem os pressupostos da despenalização? Não é esse o caminho da liberalização? É aqui que Kasper, não podendo fugir a esta mescla de incongruências, revela todo o seu plano: consoante o caso, a Igreja passaria a considerar legítimas certas uniões extra-matrimoniais, justificadas pelas circunstancias.
Meus amigos, isto é grave. É muito grave! É um ataque generalizado à Família, à Confissão, ao Mistério Eucarístico, ao Evangelho, ao Dogma. É, mais especificamente, a tentativa ardilosa de demolição de um dos mais preciosos redutos de Fé neste mundo miserável em que vivemos: o Santo Matrimónio. Rezemos, rezemos muito, para que o Senhor conduza a sua Igreja de modo a não o permitir.