Farinha do mesmo saco
Não querendo entrar no habitual desperdício da verborreia de comentários sobre as eleições europeias que, espanta-me, aparecem também nos mais reputados fóruns de discussão - avaliações de percentagens ao milímetro e ilações políticas histéricas - sem querer entrar muito nesse mundinho de "esmiúça a democracia" e seus mecanismos, permito-me gastar cinco minutos no seguinte: o crescimento da "direita" e a abstenção.
Aspas aspas, não as retiremos. A "direita" eurocéptica que surpreende (a sério?!) no plebiscito de Domingo tem tanto de direita como um Otelo que diz de Salazar ter sido um homem honesto. Aliás, a semelhança de posições entre a Frente Nacional francesa, por exemplo, e o PCP ou o PCTP-MRPP denunciam a ilusão: um discurso de soberania e oco patriotismo face a uma tirania política transnacional que, diga-se, tem mais de marxista do que de outra coisa qualquer. Mas que soberania patriótica é essa? No fundo, a "direita" de Le Pen e quejandas não oferecem nada de novo ao cenário partidário porque os postulados da sua posição são já conhecidos da praça, e travesti-los não traz o substancial que uma outra Direita necessita para desassombrar o discurso nestas matérias. É bem diferente defender a soberania nacional com a urgência de uma restauração constitucional, como a da Hungria, do que fazê-lo no pressuposto de que essa restauração só interessa caso se garantam empregos, riqueza e uma independência económica e financeira que o sustente - ou não, e a diferença para uma ultra "nacionalista" Coreia do Norte passa a ser pequena. No limite, questões morais serão remetidas para a arbitrariedade do interesse de um mito ideológico.
A hecatombe de que se fala está pois na morte anunciada das instituições federais como as conhecemos e não num ressurgimento da boa política, pelo que se torna confrangedor assistir tanto à euforia de uma esperança que não existe como ao descabelar por algo que nunca deveria ter existido. Pior que isso é adivinhar que a guerra é quase uma inevitabilidade e que o velho continente se prepara desta triste forma para ser palco de um conflito iminente entre atlantismo e eurasianismo, do qual a Ucrânia é o tubo de ensaio.
E quanto à abstenção, que por cá andou nos 66% anunciados, é melhor nem pensar no que seria desses eleitores caso o PNR tivesse gente à altura dos correspondentes gauleses. Com um Bloco de Esquerda de missão cumprida e um partido de soberania económica, anticapitalista, antiliberal, não comunista e que estivesse disposto a não tocar em assuntos de "consciência" nem em esticar o braço à romana com cara de grunho, e era ver essa gente a deslocar a cruzinha para uma qualquer Le Pen aportuguesada...