Quinta-feira, 19.06.14

Cá como lá

Ao ver hoje o aparato em torno do novo presidente hereditário do país vizinho, e ao ouvir António de Souza-Cardoso a comentar a coisa na RTP, lembrei-me de uma célebre reunião de Reais Associações, em Prime, na qual estive presente. Agora que se reacende um pouco o debate sobre a nova Direita marxista em Portugal - livre que está das perigosíssimas (!) amarras do ancien regime - recordo, com alguma amargura, aquele encontro que se realizou há já perto de dez anos. Não fosse o mesmo António de Souza-Cardoso a pôr cobro à situação e as insinuações insultuosas de "nazis" que me dirigiram a mim e a uns amigos que acompanhava teriam continuado desmedidamente. O crime que nos fez merecer a etiquetagem foi uma referência inocente ao Integralismo Lusitano... Momento triste, degradante, que me consolidou a convicção de que o que destruiu a monarquia das Espanhas é precisamente o que nos impede de ter a nossa em Portugal.

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Domingo, 15.06.14

A Esquerda a abrir armários...

... para reabilitar velhos esqueletos.

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Sexta-feira, 13.06.14

The state of the art

Os meus amigos querem ver e ouvir o estado da arte da imbecilidade elevada a bom senso e estatuto social de toda uma classe? Ganhem coragem e assistam a um qualquer telejornal português – transportam a noção de jornalismo de segunda linha para a estratosfera de uma impossibilidade absoluta de definição do mesmo, que não seja como caixa-de-ressonância das agências pagas por interesses estranhos à liberdade de imprensa. Nesses pasquins televisivos de hora e meia de pastelanço sobre os mais variados temas do “interesse do público”, há sempre espaço para a propaganda que chega em encomendas prioritárias com o fast-food do dia: o happy meal está pronto a ser servido, devidamente empacotado. Ninguém lhe sabe a receita nem há quem a queria saber. A redacção tem um gatekeeping guloso que engole tudo sem mastigar e regurgita o resultado em horário nobre.

 

Não é pois de estranhar que a abdicação do presidente hereditário das espanhas tenha dado lugar ao intento de fazer crer que por lá todos são republicanos e saíram à rua para pedir um referendo ao regime. A coisa chegou ao ponto de darem tempo de antena a uma “piquena” que, do pináculo daquela sabedoria académica que dá a universidade como uma invenção da Esquerda, afirmava a pés juntos que a república sai mais barata que a monarquia. Outra, já com idade para o juízo que o tempo lhe devia impor, dogmatizava uma posição moral de rejeição dos escândalos mediáticos da casa real. O mesmo deve ter passado em França, onde Hollande, assistindo, soltou certamente a gargalhada mais sonora que um pigmeu de estatura de alma e de matéria consegue vociferar à mesa das despesas dez vezes superiores que a presidência gaulesa impõe ao povo das três virtudes revolucionárias, enquanto a amante o instava a desligar a televisão porque o chef do Palácio do Eliseu reclamava que o jantar estava pronto.

 

Dois estados da arte, portanto: um de classe, transmitindo um outro de preconceito de classe. A solução é desligar o aparelho que substituiu as lareiras das melhores casas de família, voltar a pôr lenha no devido lugar, queimar o dito aparelho e juntar a criançada à volta de um pai contador de estórias de encantar. Ficção por ficção, escolhamos a da ancestral fábula. Do que se passa no mundo de fantasia que está para lá das quatro paredes que aconchegam o Sangue, contemplemos apenas aquilo que podermos um dia reconstruir com as pedras angulares dos nossos redutos – verdadeiros estados da arte de uma civilização latente.

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Sábado, 07.06.14

Catholica

Entra para a coluna de links a revista francesa Catholica, que venho seguindo há algum tempo e recomendo vivamente.

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Terça-feira, 27.05.14

Farinha do mesmo saco

Não querendo entrar no habitual desperdício da verborreia de comentários sobre as eleições europeias que, espanta-me, aparecem também nos mais reputados fóruns de discussão - avaliações de percentagens ao milímetro e ilações políticas histéricas - sem querer entrar muito nesse mundinho de "esmiúça a democracia" e seus mecanismos, permito-me gastar cinco minutos no seguinte: o crescimento da "direita" e a abstenção.

 

Aspas aspas, não as retiremos. A "direita" eurocéptica que surpreende (a sério?!) no plebiscito de Domingo tem tanto de direita como um Otelo que diz de Salazar ter sido um homem honesto. Aliás, a semelhança de posições entre a Frente Nacional francesa, por exemplo, e o PCP ou o PCTP-MRPP denunciam a ilusão: um discurso de soberania e oco patriotismo face a uma tirania política transnacional que, diga-se, tem mais de marxista do que de outra coisa qualquer. Mas que soberania patriótica é essa? No fundo, a "direita" de Le Pen e quejandas não oferecem nada de novo ao cenário partidário porque os postulados da sua posição são já conhecidos da praça, e travesti-los não traz o substancial que uma outra Direita necessita para desassombrar o discurso nestas matérias. É bem diferente defender a soberania nacional com a urgência de uma restauração constitucional, como a da Hungria, do que fazê-lo no pressuposto de que essa restauração só interessa caso se garantam empregos, riqueza e uma independência económica e financeira que o sustente - ou não, e a diferença para uma ultra "nacionalista" Coreia do Norte passa a ser pequena. No limite, questões morais serão remetidas para a arbitrariedade do interesse de um mito ideológico.

 

A hecatombe de que se fala está pois na morte anunciada das instituições federais como as conhecemos e não num ressurgimento da boa política, pelo que se torna confrangedor assistir tanto à euforia de uma esperança que não existe como ao descabelar por algo que nunca deveria ter existido. Pior que isso é adivinhar que a guerra é quase uma inevitabilidade e que o velho continente se prepara desta triste forma para ser palco de um conflito iminente entre atlantismo e eurasianismo, do qual a Ucrânia é o tubo de ensaio.

 

E quanto à abstenção, que por cá andou nos 66% anunciados, é melhor nem pensar no que seria desses eleitores caso o PNR tivesse gente à altura dos correspondentes gauleses. Com um Bloco de Esquerda de missão cumprida e um partido de soberania económica, anticapitalista, antiliberal, não comunista e que estivesse disposto a não tocar em assuntos de "consciência" nem em esticar o braço à romana com cara de grunho, e era ver essa gente a deslocar a cruzinha para uma qualquer Le Pen aportuguesada...

publicado por Afonso Miguel às 23:56 | link do post | comentar
Terça-feira, 20.05.14

Um clube maior que um regime

Quando a recepção do Benfica na Câmara Municipal de Lisboa faz juntar mais gente na Praça do Município em pleno dia de trabalho do que qualquer 5 de Outubro em feriado nacional, quando isto acontece só poderiamos concluir que, não soubessemos já!, o SLB é enorme - não fosse a república, enquanto ideologia de Estado, ser um flop maior.

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publicado por Afonso Miguel às 00:14 | link do post | comentar | comentários (1)
Segunda-feira, 19.05.14

Decadência

Vivemos hoje no insólito de considerarmos um feto como não sendo humano e, ao mesmo tempo, aceitarmos que um desses seres não-humanos possa vir a nascer - já devidamente humanizado! - com órgãos genitais masculinos e ser contudo acreditado como mulher, ou vice-versa. Ou seja, até às doze semanas de vida, em Portugal e em virtude da nossa condição de vida intra-uterina, todos somos ET's, ao passo que uma mulher com testículos nos parecerá, cada vez mais, a coisa mais normal do mundo. Não por acaso, o homem barbudo travestido e convencido de mulher que venceu um concurso europeu de canções nos pode parecer ainda um pequeno ser alienígena bom para circo, fruto, quiçá, de uma qualquer rememoração da sua pretensa realidade inicial de extraterrestre.

 

O certo é que o aborto avança num infanticídio de fazer corar Herodes e a loucura da identidade de género infiltra-se na maior das condescendências com o absurdo. O conforto, ainda que demente, de podermos não ter de aturar uma gravidez e consequentes obrigações naturais da existência de filhos, em nome de uma sexualidade libertina e de um falso direito à propriedade sobre o outro, bem como o de podermos alterar a designação sexual conforme o apetite da mente, são o supra-sumo da construção do pensamento moderno. No fundo, caminhamos para um mundo em que não mais saberemos sequer o que é um homem e uma mulher, como os distinguir e como os enquadrar nos direitos que a dignidade da sua condição humana lhes deveria garantir. Remetendo essa capacidade básica, instintiva mesmo, para o campo da concepção social, ficamos à mercê do que um futuro incerto nos ditará ideologicamente sobre a matéria. A família como base da comunidade política, a própria natureza humana e todo um edifício de pensamento jusnaturalista e metafísico postos em causa pela insanidade positivista revolucionária.

 

Este movimento ideológico que se apoia em cavalos de batalha partidários e de discriminação e perseguição automáticas para quem recusa trucidar a lógica, nasce, não de uma incapacidade em si, mas de uma acção deliberada sobre a consciência moral dos povos. As constituições políticas, carentes de elementos metafísicos anteriores que lhes garantam critério seguro de bem e de mal, desprovidas dessa religação aos princípios iniciais tornam-se repositórios da ideologia. Facto transversal a já quase todo o ocidente europeu, acaba por criar sim, mas à posteriori, uma incapacidade generalizada para o pensamento descomprometido e essencial à busca da Verdade. Aliás, a ideologia não detona a metafísica em si, senão aquela devidamente religiosa. Antes a substitui por uma outra, sendo certo considerar que a dialéctica materialista assenta também ela em elementos de crença.

 

Nesse sentido, é curioso e importante notar a própria substituição da nomenclatura nessa nova metafísica, que a tenta aproximar, na aparência, de um sentimento natural e histórico do que é ser Homem. Esse sentimento, correspondente a uma lei anterior a qualquer constituição, ou seja, correspondente àquele critério de bem e de mal que Deus imprime como capacidade racional em todos os homens, vê-se, nem a propósito, travestido, para que a aceitação dos novos pressupostos morais da ideologia seja progressiva. A virtude moral da caridade é substituída pela solidariedade; a virtude moral da paciência pela tolerância; o dogma pela ditadura do relativismo…

Quando Bento XVI falava de valores inegociáveis - da família, da vida e da educação, esqueceu-se de referir que esse valores entram em confronto com outros que, parecendo subjectivos, são também eles inegociáveis para o mundo, porque também eles filhos de uma metafísica. E esse é o drama da contradição modernista que nos apresenta a tolerância - sobretudo a tolerância - como intoleravelmente inquestionável. A sua raiz protestante, que não admite a desobediência do ateu desligado de tudo e do católico montanista sempre ligado a Roma, está na base da falsa metafísica dos direitos humanos que, ultrapassando a obediência contemporânea da espada espiritual à temporal quer estabelecer na ONU uma latinização universal da liturgia progressista. Mais, quer fazer reconhecer nessa organização e nas instâncias internacionais congéneres substitutos daquela fonte de critério moral que a Igreja foi para a civilização. A mais recente ofensiva da ONU sobre o catecismo para que este mude, à força, a sua posição sobre o aborto é bem a prova disto.

Perante uma hierarquia eclesial que cala ou que, não raras vezes, se posiciona frontalmente contra a mais salutar doutrina católica, em sintonia com o espírito do mundo e suas premissas de pensamento, o que fazer? Diante da tentativa original de Lutero de reformar a Igreja que se repete agora com pele de cordeiro, como resistir? Estou certo, caros amigos, que à parte a necessária restauração litúrgica, já que dela emana todo o espírito cristão e que só por ele se renovarão todas as coisas, à parte isso é na família, também ela escola litúrgica privilegiada da oração comunitária, que está o grande reduto da Cristandade contra o insólito da irracionalidade. Evidentemente, é ela a grande atacada pelo aborto, pela ideologia de género, pelo divórcio, pela extinção do pudor e a normalização do sexo como vício, enfim, pela relativização dogmática da existência sobre a Terra. É pois nela que a fileiras de almas devem armar-se, quais catacumbas que manterão viva a Fé. Dela sairão também os novos sacerdotes da Verdade que, um dia, romperão as trevas do mundo. Só eles travarão, a seu tempo, a decadência natural de uma era de mentira caracterizada pela divinização de todos os pecados. O corpo voltará a obedecer ao Espírito nas leis dos povos.

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Sábado, 26.04.14

Brioches vermelhos

Diz a feitura da história que Maria Antonieta terá proposto comer brioches a quem não tinha pão. Contam as imagens de ontem à tarde no Terreiro do Paço que António Costa mandou cravos a meia dúzia de gente enganada. 30.000 flores de lapela à COPCON, pelas contas da autarquia e com a parceria da Força Aérea. Os pobres sem abrigo que dormem nas galerias ministeriais ficaram, estou certo, satisfeitos com os pães vermelhos de Abril pagos às expensas da solidariedade do erário público.

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Sábado, 12.04.14

De um grande opressor do povo...

(Salazar, numa conferência em 1912)
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Sexta-feira, 21.02.14

A "direira anti-conciliar" e das "raizes mais profundas" em Portugal

Riccardo Marchi à edição d' O Diabo desta semana (destaques meus a negrito):

 

Ao falar de direitas significa que não há uma direita?

 

Sem dúvida. A existência de direitas plurais, muito diferentes entre elas é um dado empírico. Há umas direitas contra-revolucionárias e umas direitas herdeiras das revoluções dos séculos XVIII e XIX, umas direitas monárquicas e umas direitas republicanas, há umas direitas profundamente influenciadas pelas revoluções nacionais dos anos 20 e 30 do século XX e umas direitas que se opuseram determinantemente aos fascismo; há umas direitas católicas anti-conciliares e umas direitas laicas que pouco se interessam com a dimensão religiosa; há umas direitas que, face à crise na Europa, procuram soluções no tempo (indo às raízes mais profundas do Velho Continente) e há umas direitas que procuraram estas soluções no espaço (olhando além-Atlântico).

publicado por Afonso Miguel às 12:37 | link do post | comentar
Domingo, 16.12.12

É mais ou menos isso

Jaime Nogueira Pinto ao i:

É um motivo de preocupação em Portugal, a liberdade de imprensa?

 

Não vejo. Acho mais importante a perda progressiva da maior parte dos centros de decisão e acho horrível a indiferença com que se vê isso acontecer. Acho que há uma profunda desnacionalização das pessoas e das consciências. Isto foi tudo feito em nome da economia e as pessoas ainda não viram sequer que, mesmo do ponto de vista económico, se perderem a identidade e a independência nacional vão ser uma espécie de trabalhadores por conta de outrem, de escravos, e não sabem de quem. E fizeram isto tudo alegremente em nome da liberdade, da democracia e da igualdade, sem perceberem que o país vai estar cada vez mais dependente e vai ser cada vez menos importante. Nos anos 60 podia ser mal visto, mas era um país importante.

publicado por Afonso Miguel às 23:34 | link do post | comentar
Sábado, 06.10.12

Acontece

No dia 5 de Outubro de 2012, o presidente da república portuguesa hasteou a bandeira nacional de pernas para o ar na varanda da Câmara Municipal de Lisboa. Não vivêssemos num país do faz de conta e poderíamos afirmar que o Comandante Supremo das Forças Armadas, segundo os mais elementares códigos militares, fez capitular a soberania nacional, ultrajando quem morreu sob as quinas e quem sob elas vive. Ultrajou Portugal. Fê-lo sem hesitar, recuar ou tentar de alguma forma emendar a situação, facto que, no mínimo, o faria merecer duas consequencias por demais evidentes: a penal (Artigo 332.º) e a política. Mas hoje está sol e Bruxelas não se há-de preocupar com o assunto...

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Terça-feira, 02.10.12

É impressão minha...

 

... ou o António Borges, depois de ter "chumbado" os empressários portugueses no primeiro ano de economia, justificou aumento de receita com a necessidade de redução de despesa?! Hum?!

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Sábado, 22.09.12

Um vício mortal

Não tenho nada contra manifestações populares. Num momento histórico em que vivemos dominados por pulhas de pacotilha, sou o primeiro a querer sair à rua. Mas as coisas em Portugal, como na Grécia e em grande parte da Europa, tornaram-se ridículas a este ponto: gritar numa qualquer avenida é o mesmo que um fumador afirmar que vai deixar o tabaco enquanto acende um cigarro. Independentemente do sexo, idade ou condição económica, os participantes nas arruadas que têm enchido Lisboa são quase invariavelmente os mais acérrimos democratas de café que, não sabendo governar a própria casa, continuam a diabolizar o melhor economista português do século XX e a acreditar que os sindicalistas são uns senhores bem intencionados. Sobretudo, continuam a crer que o rumo político-ideológico nacional e internacional, que nos levou a este desastre de sermos uma torre em ruínas pintada de fresco, precisa de ser aprofundado! Um pouco como os católicos modernistas que julgam que o CVII ainda não foi bem aplicado...


 


A democracia e o liberalismo são vícios. As manifestações, nos moldes a que os portugueses têm sido enganosamente impelidos pela extrema-esquerda, só alimentam esses vícios. E os pulhas de pacotilha que nos dominam só pensam em vender maços de cigarros. Está para sair um flavor federativo.

publicado por Afonso Miguel às 23:05 | link do post | comentar | comentários (1)
Quinta-feira, 02.08.12

Despenalizar o aborto?


 


Não sei se é por ser "fassista", mas tenho alguma dificuldade em entender a pena suspensa. Alguém comete um crime, vai a julgamento, é condenado e a pena correspondente não é cumprida. Resultado?: os objectivos da pena - prevenir a reincidência; criar, eventualmente, condições para a reinserção; simplesmente punir - são dados como desnecessários. E a que propósito? Não sei muito bem... Os entendidos na matéria (não é, de todo, o meu caso) dirão que, ainda que a pena não seja cumprida, a condenação continuará sempre a constar do cadastro e que isso, por si, bastará.


 


Vem isto a propósito de uma conversa com um amigo na qual, se bem percebi, terá defendido que à condenação por aborto, estando este criminalizado, não deveria corresponder uma pena de prisão efectiva. Ou seja, a prática não estaria legalizada, ao contrário do que hoje acontece, sendo totalmente proibida, mas as criminosas, provada a sua culpa, estariam livres do sol aos quadradinhos.


 


Em princípio, não concordo. Sobretudo, porque me lembra aquela ridícula posição do Prof. Marcelo Rebelo de Sousa que, vendo bem, era semelhante à da despenalização - a despenalização que nos foi vendida durante meses a fio na comunicação social, mas que não passava de areia para olhos para esconder algo bem mais grave. Na altura, essa posição não foi compreendida porque comportava a clara incoerência de defender que, ainda que não fosse permitido abortar, as mulheres não deveriam sequer ir a tribunal. Portanto, o que não batia certo era algo ser ilegal (não liberalizado) mas não condenável, o que está longe da opinião do meu amigo. Ainda assim, penso que a semelhança entre as duas posições estará no facto de serem ambas inconsequentes.


 


A primeira, a do Prof. Marcelo, não é consequente pura e simplesmente porque não tem lógica: é completamente impossível proibir ou desincentivar algo que não pode levar à condenação de alguém. A segunda, porque condena mas impede de punir, como se existisse uma atenuante que, por inerência, teria lugar em qualquer barra de tribunal que julgasse abortos. Mais, porque acredita ser plausível existir alguma razão suficientemente forte para crer que uma mulher, não sendo presa, não reincidirá. Obviamente, também não sabemos se não reincidirá depois de cumprida a pena, mas podemos facilmente concluir que a perspectiva de novo encarceramento, ou de primeiro, servirá de dissuasão. Para mais, a punição de um assassino não só é inquestionavelmente justa como desejável, para além de qualquer necessidade óbvia de prevenção.


 


Por isso, mesmo que a mulher em causa seja considerada incapaz de discernir sobre o assunto (por deficiência mental, por exemplo), ainda assim, e sobretudo se for esse o caso, deve, em virtude daquela necessidade de prevenção, ser efectivamente encarcerada em condições especialmente adaptadas à sua incapacidade. Se a razão for de ordem ideológica, com mais propriedade se compreende ter de ser afastada da possibilidade de voltar a abortar. O mesmo, ou proporcionalmente pior, para executores, cúmplices e instigadores do crime, e excepção feita se a mulher, coagida a deixar matar o filho, ficar isenta de responsabilidade.


 


Dir-me-ão: a violação não é suficientemente atenuante? A fome não atenua a pena de um ladrão de pães? A autodefesa não justifica, em determinadas circunstâncias, provocar dano ao próximo? Pois bem, julgo que aí há que analisar, caso a caso, a plausibilidade de suspensão de uma pena, mas nunca legislar uma garantia de despenalização.


 


***


 


No Brasil, a campanha pela legalização do aborto avança a todo o vapor.

publicado por Afonso Miguel às 23:19 | link do post | comentar | comentários (1)
 

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