Uma demissão escandalosa

Tive oportunidade de acompanhar a terceira Caminhada pela Vida realizada no passado Sábado em Lisboa. A concentração estava marcada para as 15h30 junto à Maternidade Alfredo da Costa, para seguir até à rotunda do Marquês de Pombal e depois descer a Avenida da Liberdade até a um palco montado na Praça dos Restauradores. O manifesto era apelativo, ou seja, era concorde à doutrina católica.


 


Como já esperava, a adesão foi paupérrima. Compareceram pessoas ligadas a uma série de movimentos que, com grande mérito, apoiam grávidas e famílias numerosas ou lutam simplesmente contra o aborto. Estavam um ou dois sacerdotes (julgo que ligados aos movimentos), muitas crianças, adolescentes e alguma juventude. Contando as cabeças, não deviam ser mais de quinhentos participantes, o que para as artérias percorridas é comparável a um mosquito a desfilar numa grande vidraça. Resultado: um belíssimo passeio, escoltado pela polícia e buzinado por condutores furiosos com a ousadia do mosquito.


 


Se é certo que a validade dos motivos da Caminhada não depende de números, também é verdade que estes contam quando se pretende impactar com um desfile no centro da capital. Em 2007 acorreram a Lisboa milhares de pessoas para defender o "Não" no referendo. Volvidos cinco anos apenas, não chegámos a meio milhar. E não é difícil atribuir culpas: acaso alguém ouviu falar da Caminhada pela Vida na televisão, na rádio, nos jornais? Talvez tenham recebido um e-mail ou lido algo na internet, mas não há registo de um grande apelo aos católicos - e o momento bem o merecia (!) - para que saíssem à rua e demonstrassem um mínimo de indignação pelo crime hediondo do aborto. Seria de esperar ouvir um bispo, fosse ou não um cardeal que habita nos Olivais, num incentivo à manifestação e à defesa pública da Fé. Mas não. Nestas terras de Santa Maria a Igreja portuguesa não dá mais a cara por nada, ausenta-se de qualquer combate importante e demite-se escandalosamente dos mais elementares deveres de mobilização e suporte contra a marcha do modernismo e do progressismo. Afinal, não temos nós um episcopado reconhecido pela mesmíssima conotação de modernista e progressista?!


 


Pois bem, nada a estranhar. Certamente que muitos sacerdotes avisaram os fiéis mais próximos de Lisboa para se deslocarem à Caminhada; certamente a organização fez tudo o que pôde para encher as ruas da capital. Mas o que esperar da hierarquia eclesiástica deste país se o sucesso de 2007 não se deveu a essa hierarquia? O que esperar quando não permitem uma simples recolha de assinaturas em favor de um novo referendo junto ao Santuário de Fátima? O que esperar se os próprios fiéis admitem a quem tentou recolher as assinaturas: "Do you hear our Bishops condemning abortion? Why should we?"...


 


Enfim. A terceira Caminhada pela Vida foi um flop descomunal. Com a discussão adormecida e a Igreja em Portugal a remar em sentido contrário - e a acumular argumentos para uma séria e definitiva intervenção romana - esta é mais uma das situações sintomáticas de como grande parte do clero nacional contribui mais para a perdição das almas do que para a necessária salvação de um povo adormecido. Porque a demissão é, por si só, uma gravíssima tomada de posição, inaceitavelmente conivente com a cultura da morte.

publicado por Afonso Miguel às 18:39 | link do post | comentar